"A nova pedagogia" -Alguns equívocos
Daniel Lousada
A propósito da entrevista de Maria do Carmo Vieira a «Livre Pensamento» da rtp2
À volta do que é novo desenvolveu-se um sentimento de desconfiança. Nada do que é novo presta para coisa alguma, não sendo outra coisa mais do que uma moda, que logo se desactualiza passado o efeito inicial da novidade. Nada é como antigamente, diz-se: imperam os objectos de desgaste rápido, que se arriscam a «ir à vida» terminado o período de garantia. E no mundo das ideias o «ambiente» não é muito diferente, com a educação [como não podia deixar de ser] a sofrer do mesmo tipo de avaliação: se alguém falar da necessidade de uma nova pedagogia, que não é outra coisa mais do que pensá-la de uma outra perspectiva, o mais certo é ser acusado de promover o facilitismo e desprezar a cultura. Como se a cultura terminasse na época dos clássicos!
Assistimos a um discurso virado ao contrário, relativamente ao discurso pós Abril. Se, então, o que era tradição era para, à partida, pôr em causa, numa deriva reformista que apostava no seu exílio a qualquer preço, sem cuidar de saber que valores estavam em jogo, hoje assiste-se à diabolização do que é novo, desprezando os mesmos cuidados. E elegem-se as chamadas «pedagogias novas», supostamente responsáveis pelas nossas desgraças, como alvo. E, no entanto, nada na sua história nos diz que estas pedagogias tenham visto, alguma vez, na «tradição», um objecto a abater. Celestin Freinet, um professor da «Escola Nova», precursor de uma «nova pedagogia» [de um outro ponto de vista para entender a escola], escreveu com R. Salengros, em «Moderniser l’École» (1960), que «Dizemos Escola Moderna e não Escola Nova porque insistimos muito menos no aspecto novidade do que no da adaptação às necessidades do nosso século. Uma técnica da escola tradicional pode perfeitamente integrar-se nas nossas concepções».
Maria do Carmo Vieira confunde «Pedagogia Nova» com idiotice, sem cuidar de esclarecer que o adjectivo «nova», associado à escola, tem um sentido histórico que não se revê no sentido literal, que descuidadamente refere. E esquece que os programas não vinculam uma pedagogia [estão vinculados a uma opção política e ideológica], ou que a pedagogia não é escrava de uma reforma curricular. Não é a pedagogia [nova ou velha não é adjectivo que hoje lhe sirva] que faz programas. Mas a propósito da reforma curricular, desastrosa e desastrada, dos Ensinos Básico e Secundário, a Senhora Professora trata de disparar em todas as direcções, misturando programas com opções metodológicas [que compete ao professor decidir adoptar], em comentários disparatados: – «(…) se ensinar o meu neto ou o meu filho (…) com o método tradicional, como todos fomos ensinados a ler, eles aprendem a ler» - afirma a profª Mª C. Vieira. E continua ironizando: «Agora também há uma teoria para aprender a ler…». Não professora Maria do Carmo Vieira, não há uma teoria para aprender a ler! O que temos são teorias que procuram explicar como é que as crianças constroem a escrita, que nos ajudam a adequar os nossos procedimentos, quando elas esbarram em dificuldades. E quanto a essa coisa de que todos nós aprendemos a ler pelo método tradicional [ou qualquer outro, acrescento eu], não sei como era na sua escola, mas da minha guardo na memória a «fila do inferno» [ou dos burros], daqueles que, todos sabíamos, não continuariam connosco no ano seguinte.
Não é a «pedagogia» que decide retirar o Padre António Vieira do programa, ou introduzir a «Maria» na escola. Como não foi ela que reduziu a pouco mais que zero a Filosofia no Ensino Secundário. Mas é através dela que se consegue minimizar os efeitos de um currículo idiota.
A tradição não é o que era! Relativamente a quê? Ao tempo de Eça ou Pessoa? Claro que já não é! Eles hoje são parte da nossa escola, e aos clássicos do seu tempo acrescentámos agora as suas obras [se algum idiota, entretanto, não decidir retirá-los].
E já que falamos de tradição e apreciamos tanto os clássicos, porque não dedicarmo-nos à leitura dos clássicos da «Educação Nova». (Red)descobriremos, com certeza, o grande respeito que os pedagogos da «Educação Nova» tiveram pela cultura, e continuam a ter os que, inspirados por eles, procuram desenvolver a profissão que abraçaram, promovendo a educação dos seus alunos.