A Prazenteira - Adília Lopes
Adília Lopes escreveu a "Prazenteira", a partir de um verso que abre um poema de Álvaro de Campos: "Gostava de gostar de gostar".
O gostar, aqui, não é gostar de alguma coisa: é tirar prazer da sensação que o gostar, independentemente de quê, nos traz. Não é um gostar qualquer, portanto.[1]
Aprender a gostar de gostar! Será que se pode ensinar?
Há os que tiram prazer do facto de não gostar de gostar; os que se deleitam a falar do que não gostam, proclamando ao infinito as razões do seu não-gostar, com indisfarçado
gosto - até parece que se esforçam em garantir que não caem na tentação de gostar. E há os que, parafraseando Santo Agostinho, parece que nasceram a gostar, que ainda não sabiam o que é gostar e já gostavam de gostar:[2] um gosto que aprenderam, porque os ensinaram, a cultivar.
Acho que o gosto de gostar é um gosto que se cultiva, aprendendo a olhar as coisas pelo que as coisas têm de melhor. E, neste sentido, sim, é possível ensinar a gostar!, se dermos como bom o princípio que diz que, quem aprende, aprende com alguém ou alguma coisa. Mas aprender a gostar, como qualquer aprendizagem, dá trabalho: "Estou fatigado de estar pensando em sentir outra coisa", escreveu Álvaro de Campos. A fadiga, obviamente, não é causada pelo sentir, mas pelo esforço de pensar, necessário para chegar a essa outra coisa, que o poeta faz por sentir.
Ensinar a gostar de gostar é o desafio que, qualquer professor ou professora, enfrenta diariamente na sala de aula: "conseguir que, no fim, o aluno goste daquilo que, no princípio, não gostava nada".[3] Um desafio que, de um modo simplista, poderemos começar por aceitar, confrontando o aluno com a pergunta: o que é que eu gosto, desta coisa que não gosto?
"Não há experiência que eduque melhor um homem do que a descoberta de um prazer superior, que ele teria ignorado, se não se tivesse dado ao esforço de o conhecer".[4] Assim, porque gosto de gostar, esforço-me por gostar e não vou embora ao primeiro desapontamento; porque gosto de gostar, o gosto está no centro do que me faz pensar. Então, para ensinar a gostar, nada melhor do que convocar os objectos onde a questão do gosto está mais presente: o objecto de arte. Nada melhor do que a arte para colocar a questão do gosto no centro do que nos faz pensar: um desenho, uma pintura, um poema…e talvez, a partir daqui, apontar para os conteúdos onde a questão do gosto não é tão óbvia.
[1] “ 'Gostava de gostar de gostar' ”: a oração mais parece uma afirmação redundante, dada a enunciação, por três vezes, do mesmo verbo, duas delas na forma do infinitivo impessoal e uma terceira na primeira pessoa do pretérito imperfeito. Lembrando uma cantiga, este verso inicial apresenta uma construção simples e fechada [com a dupla regência em “de” terminando com o ponto final], mas que permanece aberta quanto ao sentido [com o terceiro gostar empregado intransitivamente], numa mescla de acabamento e inacabamento" (Claudia Souza e Márcio Suziki >>>).
[2] in "Confissões" [Livro Terceiro]. Oeiras, Livraria apostolado da imprensa / Jornal Público, 2010: p. 57 ["Ainda não amava e já amava amar"].
[3] Paráfrase de António Nóvoa da seguinte expressão de Alain [pseudónimo de Émile-Auguste Chartier]: "Difícil é conduzir os homens a agradarem-se no fim, com o que, no princípio, não lhes agradava nada". In "Propos sur l'education". Paris, Quadrige/PUF, 1986.
[4] Alain [Émile-Auguste Chartier] "Propos sur l'education". Paris, Quadrige/PUF, 1986: pp. 13-15.