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Queres fazer um soneto?

NOTAS

1. Nuno Higino, A trote e a galope: poesia para a infância. Lavra, Letras & coisas, 2017: p.91.

2. As crianças que trabalham connosco têm experiências de leitura de poemas em prosa. É o caso de alguns poemas de Jorge Sousa Braga, Ana Hatherly ou Alberto Pimenta, por exemplo, divulgados nesta página, em Vídeos diversos. Mas estes poemas não se identificam como poemas "à vista desarmada".

3. "A tradição quer que o último verso do soneto seja uma 'chave de ouro' , encerrando a essência do pensamento geral da composição. (…) destina-se a impressionar pela beleza da imagem. Essa imagem, todavia, não pode ficar isolada; ao contrário, pertence ao bloco de idéias que constitui a composição poética. Jamais deverá exercer a função de ferrolho do pensamento" - Ver Mais EM >>>

4. George Jean, Na escola da poesia. Lisboa, Instituto Piaget, 1995: p. 183.

5. Expressão de G. Le Roy, citado por George Jean, A leitura em voz alta. Lisboa, Instituto Piaget, 2000: p. 166

Um poema para conversar sobre as formas que podem desenhar um poema - E uma espécie de plano para levar a cabo esta conversa

 

Nuno Higino, chega com um poema que é também um convite de escrita.[1] Olhando o poema, não temos dúvida de que é um poema. Porquê? Está escrito em verso. Claro que nem todos os poemas são escritos em verso e há cada vez mais poetas com poemas escritos em prosa [2]. Se é ou não poesia, logo se vê, ou não [com crianças desta idade, não sei se serei capaz de ter esta conversa]. Depois de uma primeira leitura iremos à procura de perceber o que é esta coisa de um soneto. E, nesta procura, daremos conta de rima alternada, quadra, terceto e chave d’ouro. Julgo que já todos sabem o que é rima, terceto e quadra, mas duvido que saibam o que é chave d’ouro.[3]

"A poesia contemporânea é marcada por inúmeros desvios à métrica, sendo muito frequente abandonar-se mesmo toda a referência a qualquer métrica, que exige que se procure a poeticidade noutro ponto que não na métrica".[4] Não é este o caso. Nuno Higino apresenta-nos um soneto que, como qualquer soneto, faz uso de métrica e rima. É um poema que pede uma leitura que as crianças estão habituadas a ouvir [e, porque não, a fazer]. Não corro portanto o risco de me confrontar com o desabafo do tipo "A gente lê tudo seguido não quer saber do verso para nada" [Ler >>>].

Os limites do verso e as marcas no seu interior [pontuação] marcam o ritmo da leitura - a aproximação à "pontuação oral"[5], que a pontuação escrita apenas consegue de forma imperfeita. E porque a poesia é anterior ao aparecimento da escrita, só pela aproximação da leitura à "fala natural" é possível ultrapassar aquela imperfeição [quando existe] na leitura do poema - se bem que falar de aproximação à "fala natural", relativamente à leitura de poemas, não pareça fazer muito sentido, porque o poema não nos pede uma "fala natural" [já que ninguém fala como fala quando diz um poema], mas aquela que as condições do nosso encontro com o poema nos levam a produzir.

O vídeo acima procura apresentar uma leitura atenta às respirações que as marcas textuais sugerem. Quando pedir voluntários que digam o poema, desafio-os a encontrar outras formas de dizer: leituras menos pausadas, talvez, eventualmente fugindo à pontuação do poema [verificaremos que, neste caso, serão difíceis outras pausas e que a estrutura do verso tende a marcar a respiração]. Podemos também procurar outras entoações, brincando com a voz [ler como quem chora, como quem ri, como quem se espanta...], se for essa a vontade dos potenciais leitores.

E depois podemos aceitar o convite, que este soneto nos traz, e partir à aventura de escrita de um soneto. Como? Ainda não sei! Dependerá, em grande parte, das ideias que surgirem da conversa que tivermos em grupo. O que sei é que terei de me empenhar na escrita do soneto com eles! Porque com aquilo de dizer, a proposta de escrita é esta, agora é convosco, não ensinamos ninguém a escrever.


Daniel Lousada

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